terça-feira, 5 de janeiro de 2010

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Valor agregado

Carregados de história e estilo, roupas, livros e móveis antigos podem ser uma maneira divertida e barata de contribuir com a natureza e dar um toque de exclusividade em seu dia a dia

texto: Camila Gonçalves e Talita Xavier

Reutilizar. O que você pensa quando lê essa palavra, apontada como uma das chaves para salvar o planeta? Para o caçula que herda as roupas surradas do irmão mais velho, é um pesadelo. Para o funcionário que aproveita as folhas impressas para rascunho, é um pequeno sacrifício que não custa nada. Para a dona de casa que guarda o pote de sorvete e nele congela a sobra do almoço, é até prático. Mas nada mais que isso.

Agora, será possível que alguém se dedique a comprar objetos usados por prazer? Sim, e não sã poucos. Por meio de heranças e divertidas procuras em milhares de lojas, sites, feiras e bazares informais espalhados pelo país, eles provam que essa é uma ótima maneira de adquirir produtos cheios de estilo, muitas vezes por preço mais baixo e qualidade superior aos equivalentes recém-fabricados.

Moda atemporal

Uma chance de entrar em contato com outro tempo, quando a moda das ruas ia além da dupla calça jeans e camiseta. É assim que a produtora Claudiana Cabral, de 27 anos, encara seus frequentes passeios pelos diversos brechós de São Paulo. Afinal, quem não se lembra dos anos 1950, por exemplo, ao ver um vestido de bolinhas? E uma calça boca de sino?

É uma caça ao tesouro”, afirma, empolgada. Uma oportunidade de exercer a criatividade e renovar o guarda-roupa com itens exclusivos sem gastar muito. Cuidadosa, Claudiana presta atenção em cada detalhe das roupas: rendas, laços, cortes e tecidos. “Fico muito feliz quando encontro uma peça bonita que remete a outras formas de viver a vida, produzida com riqueza de detalhes”, explica.

Enquanto revira as araras, ela vai pensando em como dar seu toque especial às composições. A graça é combinar peças antigas e atuais, para formar um figurino único. A exclusividade dos produtos, que é uma das grandes atrações dos brechós, também tem seu lado ruim. O que fazer quando o único exemplar disponível não é do tamanho certo ou está com algum defeito? Para esses momentos, Claudiana ensina: é sempre bom ter uma costureira de confiança à disposição. “Inúmeras vezes me apaixono por modelos que precisavam de algum reparo. E não deixo de levar para casa. Quando vou encontrar outro igual?”, avalia.

Lar cheio de história

Quem entra na casa do historiador Thiago Majolo, de 28 anos, não deixa de reparar: a mesa de centro de sua sala é um charmoso baú. Se você perguntar onde ele arranjou o móvel, vai ter conversa por um bom tempo: “Meu avô o trouxe de Portugal, quando deixou o país fugindo da ditadura de António de Oliveira Salazar, que durou dos anos 1930 aos 1960”... e por aí vai.

A mania de mobiliar a casa com peças usadas começou quando Thiago estava na faculdade e decidiu morar sozinho. Sua irmã estava se desfazendo de alguns móveis e os repassou para ele. Da casa dos pais também vieram alguns objetos, ainda em bom estado, que corriam o risco de ser jogados fora por causa do desuso. Com criatividade, ele deu cara nova às peças. Um porta-CD, por exemplo, virou uma prateleira para os copos. E algumas mesinhas foram cobertas por almofadas para tornar-se bancos.

Morador de São Paulo, ele adora passear pelas feiras de antiguidades, comuns nas grandes cidades. “Vasculho peças às quais posso dar novos usos, como objetos de decoração que viram pesos de papel”, diz. Outra paixão são os lustres de antigamente. “Alguns são teoricamente bregas, multicoloridos, mas é assim que eu gosto!”, diverte-se.

Surpresas entre páginas

Foi por volta dos 12 anos que Luís Mauro Sá Martino começou a gostar de literatura. Como a mesada era curta, ele acabou descobrindo outra paixão: os sebos.“Eram várias obras a preço muito baixo. Tudo de que eu precisava”, recorda-se. Hoje, aos 31 anos, o jornalista e professor mantém uma tradição: todo o primeiro dia de férias é dedicado a visitar as lojas de livros usados do centro de São Paulo. Tal garimpagem é responsável por cerca de metade dos 6 mil livros de sua biblioteca particular.

Os sebos são especialmente úteis quando Luís precisa encontrar obras esgotadas que o ajudem nas aulas. “Já achei diversos títulos raros a preços baixíssimos”, lembra. Nos cantos das páginas dos livros teóricos, muitas vezes ele encontra anotações feitas pelos antigos donos, que tornam o exemplar único.“Às vezes, as notas contêm raciocínios tão interessantes quanto o texto original. Nesses casos, é como levar duas obras pelo preço de uma”, diz.

Outros tipos de lembranças esquecidas entre as páginas também lhe chamam a atenção. Luís já encontrou cartas de amor, fotografias e várias dedicatórias de primeira página. “Essas lembranças são parte do livro. Quando encontro uma carta, por exemplo, deixo-a onde está”, diz.

Se quer se desfazer de um livro, nada de jogar fora. “Sempre doo. Não costumo me envolver com o objeto, mas com a história que ele conta, e espero que seja útil para outras pessoas”, garante. Assim, o ciclo não se fecha.


Publicado em: Sorria 11